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Por Filipa Soares publicado in Correio do Porto.

QUANDO os portugueses querem referir-se a um casaco quente e impermeável, normalmente feito de tecido sintético e acolchoado, utilizam a palavra “quispo”, derivada da marca “kispo”, criada por um cidadão suíço que se instalou numa vila do Norte de Portugal, no final da década de 60. Mas Hans Isler não criou apenas uma marca de referência. Deixou marcas em Lousada, onde criou centenas de postos de trabalho com a instalação da fábrica de confecções Fabinter e ajudou os Bombeiros Voluntários e a Banda de Música de Lousada. A vila portuguesa não o esquece e, depois de lhe ter atribuído a Medalha de Mérito Municipal e dado o seu nome a uma avenida, homenageou-o agora com uma peça de teatro: “Isler – Porque um kispo não nasce só”. O grupo de teatro amador Vidas em Cena, presidido por José Carlos Carvalheiras, achou que “um dos destaques da história recente de Lousada era essa personalidade vinda da Suíça que se implantou no concelho e que foi um marco em termos económicos, sociais e culturais”. Além disso, a vida de Hans Isler tinha todos os ingredientes para dar uma peça de teatro: um self-made man que conheceu o sucesso e o declínio, uma amante e uma morte trágica. Isler nasceu a 16 de Janeiro de 1927 em Wädenswil, perto de Zurique, na Suíça. Aos 20 anos, foi trabalhar para a Singer, em Zurique, como vendedor de máquinas de costura domésticas e industriais. Frequentou um curso profissional de Gestão de Produção, tendo-se especializado na instalação de linhas de produção para confecção e calçado. Dois anos mais tarde mudou-se para Basileia, onde trabalhou como chefe de produção na Metzger AG. Com 25 anos, decidiu trabalhar por conta própria e lançou uma marca de roupa desportiva chamada KISPO. Um nome que perdura até hoje. Resistiu ao declínio da marca e à morte do suíço, em 1985. Foi em 1969 que Hans Isler instalou, com um sócio, a fábrica de confecções Fabinter, em Lousada, concelho português situado a pouco mais de 40 quilómetros do Porto. A empresa começou por funcionar numas instalações cedidas pelos Bombeiros de Lousada e empregar cerca de 20 pessoas. Este número foi aumentando ano após ano, até que na década de 80 a Fabinter empregava mais de 600 pessoas. Depois, Isler criou mais duas empresas, em Vila Nova de Gaia e em Matosinhos, onde trabalhavam cerca de 400 pessoas. Como não conseguia produzir tudo o que necessitava, a Fabinter teve de subcontratar, gerando milhares de postos de trabalho indirectos. “A partir de Lousada e a partir da Fabinter criaram-se dezenas, senão milhares de empresas. A empresa funcionou quase como uma escola”, conta Manuel Jorge, que foi um dos colaboradores mais próximos de Isler. Ele e muitos outros colaboradores aprenderam e evoluíram com o patrão suíço, tendo, depois, saído da empresa para criar as suas próprias fábricas de confecções.

“O senhor Isler introduziu no país um conceito de moda, de vestuário, que era completamente diferente daquele que havia até à vinda da Fabinter para cá”, destaca Manuel Jorge. “Foi, de facto, ele que trouxe para cá o blusão. Na altura, em Portugal, ninguém sabia o que era um blusão, um ‘kispo’. Toda a gente usava ainda um vestuário muito tradicional. As pessoas iam à feira, compravam um bocado de tecido e faziam umas calças, um casaco ou um fato. A partir da criação da Fabinter as pessoas deixaram de o fazer e foram moldando a sua forma de estar e de vestir. Toda a gente queria ter um ‘kispo’. Ainda hoje ninguém diz que vai comprar um blusão. Toda a gente diz que vai comprar um ‘kispo’”. “Tanto a minha mãe como todas as pessoas com quem falei são unânimes em dizer que ele foi o melhor patrão que tiveram”, realça Vítor Fernandes, encenador da peça “Isler – Porque um kispo não nasce só” e filho de uma trabalhadora da fábrica Fabinter. “Pagava ordenados muito acima do salário mínimo. Criou uma cantina e instalou chuveiros para os funcionários tomarem banho, porque os tempos eram outros e as condições de vida eram diferentes. Tinha um projecto para construir uma cidade para os funcionários, uma espécie de bairro gigante”. Por várias razões, este projecto nunca se concretizou e Isler acabou por doar os terrenos onde queria implantá-lo para um bairro social. Quando foi convidado pelo grupo Vidas em Cena para encenar a peça, Vítor, da companhia Jangada Teatro, teve o trabalho facilitado pois cresceu a ouvir histórias sobre o ex-patrão da mãe, embora este tenha morrido no ano em que ele nasceu: “Uma vez, o Isler soltou um pastor alemão que tinha, na fábrica, a um funcionário, que era um sindicalista muito agressivo… Pegaram-se os dois, por causa de ele ter estacionado o carro num sítio onde não devia”.

O encenador acha que Isler “está totalmente no imaginário das pessoas” de Lousada e diz que a melhor prova é o facto de a sua campa, no cemitério de Cristelos, ter sempre flores: “Desde criança que me lembro de a ver sempre repleta e isso quer dizer muito”. Há duas teses quanto à morte de Hans Isler: suicídio ou homicídio? Manuel Jorge não tem dúvidas: “Ele acabou por suicidar-se. Para quem lidava com ele de perto não foi uma surpresa muito grande. Ele não aceitava coisas menos positivas, que a vida não lhe corresse como sempre tinha corrido. Acho que a morte dele não se relacionou nada com os negócios da empresa em Portugal. Foram outras coisas mais particulares”. Quando Isler morreu em 1985, a Fabinter já estava em declínio. “Ainda hoje custa a crer a muitas pessoas que ele se tenha suicidado, porque quem não lhe era próximo desconhecia que tipo de pessoa ele era e que tipo de circunstâncias estava a viver naquela ocasião. Montando o puzzle da vida dele e da personalidade percebe-se que a versão do suicídio, que é a versão oficial, é a única possível, embora a versão do homicídio tenha ainda hoje alguns seguidores, porque houve pessoas que beneficiaram com o falecimento dele”, acrescenta José Carlos Carvalheiras, presidente do grupo Vidas em Cena, com base no trabalho de pesquisa que efectuou e que incluiu “dezenas de entrevistas a pessoas que privaram com o senhor Isler”, como os filhos Hans Isler Júnior e Jüerg Isler, e a amante Marlene Lagniel, que assistiu mesmo à peça de teatro.

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